Revista Inventiva n.º 33 MAR 1981

15-03-1981 23:31
as bolas de vento 
PARA MICROFONES, NASCERAM EM PORTUGAL
por JAIME FILIPE
 
Logo nas primeiras transmissões ao ar livre levadas a cabo pela então Emissora Nacional, surgiu o problema do ruído do vento captado pelos microfones. Esse ruído caracteriza-se por um som grave e agreste, semelhante ao rolar de um comboio o que afecta por vezes a própria inteligibilidade da palavra.
 
A sua causa é devida ao atrito que o ar produz na superfície do microfone, pondo em vibração a zona exposta ao vento, produzindo-se assim o ruído característico, de todos conhecido. Numa das fases da minha vida fiz parte do pessoal técnico daquela Emissora tendo a meu cargo a captação do som.
 
Por esse facto muitos foram os exteriores em que tomei parte, e muitas foram as situações em que o ruído do vento afectou grandemente o nosso trabalho.
 
Destas, destaco os Jogos de Futebol, tantas e tantas vezes transmitidos em condições climatéricas adversas. Não existiam naquele tempo as «cabinas de som», de que estão dotados hoje a maior parte dos campos desportivos, pelo que as equipas ficavam junto ao campo, ao sol, à chuva e ao vento.
 
Para atenuar o efeito produzido pelo vento, era prática entre os locutores, meus queridos valorosos companheiros de trabalho, (alguns já desaparecidos, como é o caso de Domingos Lança Moreira, Nuno Fradique, Fernando Frazão, enrolarem um lenço no microfone, expediente que resultava bastante bem e que se tornou comum nos longínquos alvores da rádio.
 
O aparecimento do fenómeno e a sua relativamente fácil «cura» através dum simples mas eficaz meio, ao alcance de qualquer pessoa, produto da imaginação criadora, mas anónima dos locutores da Rádio Pprtuguesa, levou-me a pensar e a analisar as causas daquele ruído, bem como a sua atenuação ou mesmo anulação.
 
«A intensidade do som varia na razão inversa do quadrado da distância»: é uma lei da Física. Isto significa que se eu afastar o som de uma unidade, a intensidade desce quatro vezes (de um para quatro). Se afastar de duas unidades, decresce dezasseis vezes! E assim por diante.
 
Se a fonte de ruído for devida ao atrito do ar sobre a carcassa do microfone, e eu afastasse a estrutura da célula do microfone (elemento vibrante), p ruído desceria substancialmente.
 
Tudo isto ocorreu no meu espírito, o que me levou a passar à prática.
 

Havia na Emissora Nacional um homem simples, jovem, mecânico de precisão de extraordinária vocação, mas desempenhando trabalhos menores, por incompreensão do seu real valor. Chama-se Horácio.

 
Vale a pena falar um pouco dele. Pela sua criatividade e pelo seu engenho era sem dúvida uma das pérolas mais preciosas que a natureza deu a este País, mas que este País como em tantos outros casos não soube nem quis compreender e aproveitar.
 
O Horácio casou-se. Poucos recursos, pai de um rapaz, desejava comprar-lhe brinquedos bonitos, mas o dinheiro não dava para tal. Assim, passou ele próprio a fazer os brinquedos para o filho. Mas que brinquedos! Veleiros, que nem de compra. Máquinas a vapor, pequenos veículos a motor... tão perfeitos que causavam a admiração de toda a gente.
 
Os amigos incitaram-no a vender os seus produtos, para realizar dinheiro, e o Horácio passou a ter artigos de seu fabrico nas melhores lojas de Lisboa, desde carretos para canas de pesca, a barcos ou aviões a motor, totalmente construídos por ele!... Sabem o que aconteceu ao Horácio?
 
Emigrou para o Canadá em busca de melhor vida e melhor entendimento para o seu invulgar mérito, por parte de uma sociedade mais preparada para o entender e aproveitar.
 
Três anos depois o Horácio veio a Portugal v,er os pais. Já era então responsável pelo sector de micromecanismos duma grande empresa canadiana, a trabalhar em força para a NASA!
 
Certamente que o Horácio com o seu engenho e criatividade ajudou os foguetões americanos a irem à Lua!
 
Valeu certamente a pena recordar aqui amigos que por um ou outro destino saíram há muito do meu convívio, dado que estou certo de terem sido os criadores de coisas novas e interessantes que aqui refiro, entre elas a «bola de vento para microfones».
 
Um dia pedi ao Horácio para me construir uma esfera em arame de cobre, à qual foi aplicada um tecido. Introduzimos um microfone na abertura dessa esfera e fomos experimentar o engenho nas transmissões dos campos de futebol. O resultado foi o esperado. O ruído do vento quase desaparecia, mas o lenço também resolvia o problema menos mal.
 
A bola de vento com algum uso, amachucou-se, rompeu-se e acabou por ser posta de lado!
 
Os anos passaram, só muitos anos depois ela reapareceu nos microfones, mas desta vez fabricada e importada do estrangeiro, como grande novidade de excelente solução para resolver o problema do vento. Passaram a ter outro nome: WIND SCREEN!


Referência: Jaime Filipe - As bolas de vento para microfone, nasceram em Portugal. Inventiva n.º 33. Associação Portuguesa de Criatividade. Março 1981
Ficheiro pdf (146 kB): artigo da revista Inventiva nº33 MAR 1981

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