Revista Inventiva n.º 10 ABR 1974
uma câmara minúscula transmite à pele as
«informações» que formarão a imagem
De Jaime Filipe
O problema da integração do invisual na sociedade tem constituído, através dos tempos, matéria de preocupação e estudo de vários cientistas.
No século passado, Louis Braille deu um grande passo no capítulo de auxílio à educação dos invisuais com a criação do sistema alfabético a que foi dado o seu nome e que se utiliza na ensino dos cegos em todos os cantos do mundo.
No século vinte, porém pretendeu-se ir mais longe, e o elevado grau de tecnologia atingido permitiu-o. As experiências sucederam-se. E, evidentemente, tiveram resultados: resultados de tal forma extraordinários, que hoje se pode dizer, com inteiro cabimento, que, dentro de dez anos, os cegos podem «ver» e competir nas suas tarefas com os visuais.
Ontem num hotel da capital foi proporcionado aos jornalistas uma conversa com o dr. Carter Collins, um dos homens que integram o Smith Kettelwell — instituto norte-americano, de carácter independente, que ocupa a vanguarda da investigação do sistema da visão táctil: o sistema que permite ao invisual formar uma imagem no cérebro, de definição razoável através de impulsos eléctricos, transmitidos por uma minúscula câmara de televisão a uma vasta série de eléctrodos espalhados pelo corpo (numa cinta semelhante á pele a informação que formará a imagem.
No entanto, ao falar-se de visão táctil não se pode omitir o nome de um português: Jaime Filipe, que ontem elucidou os jornalistas na conversa com o dr. Collins, e que, em 1959, sem conhecimento de qualquer trabalho no estrangeiro no mesmo campo, registou patente de um aparelho composto de um sistema mecânico que visava o mesmo fim: «dar olhos aos cegos».
A visita do dr. Carter Collins ao nosso país não tem carácter acidental, felizmente. O cientista foi recebido pelo ministro da Educação Nacional, que vai subsidiar (como fora prometido já há um ano) a criação de um centro de Visão Táctil, que ainda este ano entrará em funcionamento no Instituto Gama Pinto.
Esse Centro, que trabalhará de colaboração com o Instituto Norte-Americano (o Smith Kettelwell funciona há 14 anos), denominar-se-á Centro de Estudos de Substituição Visuo-Táctil e será chefiado por um oftalmologista português, e nele trabalhará, ainda, uma equipa técnica composta por um engenheiro, um radiotécnico, um rádiomontador, uma monitora, uma funcionária de relações públicas, além de Jaime Filipe, que será um colaborador permanente e efectivo do centro, que, fundamentalmente, se dedicará a trabalhos de pesquisa.
Televisão— base do sistema
Como já referimos, os impulsos eléctricos serão transmitidos à pele do invisual por eléctrodos, que, por sua vez, são «informados» por uma câmara de televisão.
Trata-se, todavia, de um ultra-minúsculo aparelho, que não terá sequer um centímetro! — composto de fototransistores, cujas células fotoeléctricas ultrapassam em cerca de cem vezes o rendimento das suas semelhantes até agora utilizadas — e que poderá ser, por exemplo, montada nos óculos do cego.
A cinta — chamamos-lhe assim — que insere os eléctrodos, em número de 1032, é, por agora, o principal objecto de estudos. Com efeito a imagem conseguida com os 1032 pontos de «informação» atinge uma definição razoável, todavia a ideal, segundo o dr. Collins, conseguir-se-á com cerca de 10.000 eléctrodos, o que, como é lógico obriga a uma grande distribuição de «partes» sobre o corpo.
Entretanto, durante as experiências (um dos principais colaboradores é outro estudioso do Smith Kettelwell — o dr. Frank Saunders, um invisual) têm-se levantado vários problemas, e um deles é a rejeição do sistema por alguns pacientes, que não suportam por muito tempo o funcionamento do aparelho porque na sua pele mais sensível se forma pequenas alergias, semelhante à mordedura de uma melga, nos locais onde actuam os impulsos eléctricos.
Para esses, foi criado um sistema mecânico o qual todavia não atingiu, ainda o grau de perfeição do sistema eléctrico.
Pensa-se, no entanto conseguir solucionar o problema de rejeição e convém referir a propósito que os invisuais que utilizarem o aparelho colocarão sob a cinta, que, como já referimos, também é semelhante à rede de um electroencefalograma, a pomada também usada naquele sistema para aguentar a condutibilidade da pele.
Outro problema que tem sido estudado é o das próteses e igualmente não é impossível que um cego sem braços consiga identificar vários objectos. As experiências até agora feitas, no sistema, têm tido óptimos resultados, e foi possível, já, que mutilados cegos identificassem algumas figuras geométricas.
No que diz respeito à câmara de televisão que constitui a base do sistema, guardámos para o fim, propositadamente, o sistema, óptico por ser aquele que menos dificuldades apresenta.
A esse respeito, disse Jaime Filipe: «Não vamos pensar que o cego vai ver. A imagem dá uma ideia aproximada. Assim, para ver um objecto em pormenor o invisual mudará a óptica da câmara, que disporá de um sistema «zoom», através de um comando que poderá fazer accionar no bolso».
Resta acrescentar que, por enquanto, o preço do aparelho é astronómico. Dentro de dez anos, no entanto, haverá um aparelho táctil ao alcance da maioria dos invisuais — talvez ao preço dos televisores.
E ao falar em televisores o tema pode ser ainda mais generalizado. Com efeito, uma nova ideia de Jaime Filipe teve a melhor receptividade dos cientistas norte-americanos. Trata-se de com apenas um aparelho — um circuito de televisão em circuito fechado — transmitir imagens a vários cegos, sistema que como se deixa ver tinha imediata utilidade prática em escolas de invisuais.
(D. N., 10 Mai 73)
Referência: Filipe, Jaime – uma câmara minúscula transmite à pele as «informações» que formarão a imagem. Transcrição da entrevista do D. N., 10 Maio 1973. Inventiva n.º 10. Associação Portuguesa de Criatividade. Abril 1974.
Ficheiro pdf (289 kB): Inventiva nº 10 Abril 1974
Conversão para formato texto: por OCR e revisão de Francisco Godinho