Revista Inventiva n.º 23 DEZ 1976 Boletim CIDEF N.º 4
13-12-1976 17:08
ARQUITECTURA
E
INVALIDEZ
A Federação Suiça para a Integração dos Diminuidos (FSH), pede a todos os arquitectos, engenheiros e mestres de obra tal como às autoridades, a observância das seguintes regras nos projectos de construção privada e pública.
Pensar nas pessoas deficientes ou idosas, em particular nas que utilizam cadeiras de rodas. Evitar os obstáculos inúteis e as passagens intransponíveis.
Todas as entradas dos edifícios devem ser acessíveis evitando desníveis ou degraus. O acesso ao elevador deve estar livre de qualquer obstáculo, a cabine deverá ter pelo menos 100X120 cm.
As rampas podem substituir escadas exteriores se tiverem declive até 6%.
Todas as portas (ascensores, cozinhas, casas de banho, W. C., etc.) serão concebidas sem desníveis e com uma largura normal de 90 cm. permitindo a um deficiente ultrapassá-las em cadeira de rodas sem a ajuda de terceiros.
Os parapeitos das janelas serão colocados bastante baixos. Mesmo sentado o deficiente deve poder olhar para fora facilmente. As maçanetas das portas e janelas, os interruptores eléctricos e todos os outros dispositivos de manobra serão colocados a uma altura de 90 cm, que seja utilizável por uma pessoa sentada numa cadeira de rodas.
A sala de banho será separada do WC, sendo as duas divisões suficientemente espaçosas para que os utentes tenham acesso fácil em cadeira de rodas e possam fechar a porta. O conjunto de torneiras da banheira será instalado lateralmente no sentido do comprimento. Nos edifícios públicos é necessário prever um WC por cada andar que seja inteiramente acessível em cadeira de rodas.
A cozinha, o lava-loiças, o fogão e o forno serão concebidos para permitir trabalhar a 80-90 cm do solo. Sob o lava-loiças o acesso deverá ter um espaço livre para a cadeira de rodas. As prateleiras e as gavetas serão postas a pelo menos 40 cm, do solo e não mais de 140 cm. de altura. Atendendo a que as escadas são inevitáveis, por exemplo, nas passagens subterrâneas, não é necessário fazê-las demasiadamente íngremes.
Os corrimões apresentarão um perfil manejável; por outro lado deverão ter secção circular ou oval, já que as formas rectangulares não são de agradável contacto.
Não são só os edifícios que estão em causa, é necessário também ter em conta o caso dos diminuídos (deficientes ou idosos) nos projectos das vias de circulação ou dos transportes públicos (subida para os eléctricos, comboios, etc.).
O secretariado da SAEB/FSIH, Brunaustrasse 6, 8002 Zurich, satisfará, gratuitamente, os pedidos que sejam feitos, dos exemplares do seu ofício sobre normas de construgăo: A norma completa SNV 521 500 publicada em alemão, francês e italiano pode ser pedida para o mesmo endereço ao preço de 4 francos,
MÚSCULO
ELECTROMAGNÉTICO
POR MOTOR LINEAR
Jaime Filipe
O Homem ainda não conseguiu realizar algo que possa substituir os músculos humanos e animais, pois seria necessária uma substância que uma vez estimulada electricamente diminuisse consideravelmente a sua extensão sendo ao mesmo tempo capaz de realizar trabalho, isto é ter «força» suficiente para movimentar objectos.
Muitas têm sido as pesquisas neste sentido, pois muitas seriam as aplicações se tal descoberta fosse concretizada. Entre estas destaca-se a possibilidade de movimentar próteses de braços e pernas, movimentos esses obtidos até à data por sistemas ainda pouco eficientes.
As prótese de mãos mais aperfeiçoadas que conhecemos, são movidas por motores eléctricos de tipo convencional, alimentados por acumuladores instalados na própria prótese. Estes motores produzem movimentos muito lentos e de velocidade constante acrescendo ainda que o seu tamanho e desmultiplicação mecânica desaconselham a instalação de vários motores na mesma prótese, para obtenção de movimentos múltiplos tais como dedos independentes uns dos outros, rotação do pulso, antebraço, etc.
A Natureza porém, parece aconselhar outro tipo de motores pois que nela nada tem movimento de rotação para além de um determinado número de graus.
Assim procurando imitar a Natureza pensei na utilização nas próteses de motores lineares tipo electroíman aspirante ou aspirador. Utilizando pequenos motores de construção rudimentar, obtive forças de tracção da ordem dos 2 kg para tensões de 20 a 40 volts. Fazendo variar a tensão continuamente de 0 a 20 volts obtêm-se movimentos tão lentos ou tão rápidos conforme essa variação for lenta ou rápida.
O presente protótipo tem 6 motores lineares do tipo descrito os quais movem independentemente os 5 dedos e o braço. O binário antagonista é obtido por meio de elásticos sendo a tracção feita por «tendões» de fio de Nylon.
Neste protótipo arrumou-se os motores de modo a facilitar a sua construção, mas numa prótese real a sua arrumação seria como a representada na figura.

A tensão é fornecida através de um «variac» que permite a regulação da tensão à vontade do operador e, a seguir é rectificada por uma ponte de díodos.
Numa prótese real pode ser fornecida através de acumuladores portáteis ou mesmo por ligação ao sector nas alturas em que o utente esteja em actividade junto de uma máquina ou à secretária, Porém o comando de acção dos diferentes motores, isto é, dos diferentes músculos, deve ser aproveitado pela amplificação dos sinais bioeléctricos enviados pelo cérebro para os músculos e captados ao nível da pele; processo já realizado.
Nos casos em que seja impossível usar este sistema por ausência total de antebraço é possível obter movimentos por «remote control» a partir de células piezoeléctricas colocadas em outros pontos do corpo como joelhos, calcanhares, planta dos pés, pulsos, etc.
A sensibilidade da pele das mãos pode ser substituída embora parcialmente, instalando nos dedos artificiais da prótese, células piezoeléctricas, as quais ao serem premidas pelos movimentos dos referidos dedos, criam diferenças de potencial que depois de amplificadas podem ser enviadas para outro ponto do corpo utilizando estimuladores sensoriais do tipo referido na nossa patente Electrovisor II.
No caso dos motores lineares serem utilizados para movimentar pernas artificiais, os impulsos de retorno da perna podem ser obtidos por comando piezoeléctrico ou outro sistema mais convencional,
O uso prolongado das próteses utilizando motores lineares pode provocar o seu aquecimento. Este inconveniente pode ser aproveitado para aquecer a própria prótese dando-lhe assim uma maior naturalidade. A prótese sendo elemento dissipador do calor pela razão descrita, parecer-se-á mais com um membro natural pela sua temperatura. A distribuição do calor pode ser obtida por circulação de óleo.
Vantagens do presente sistema
— Possibilidade de instalar mais motores na mesma prótese, dadas as suas pequenas dimensões e configuração vantajosa.
— Permitir a execução de movimentos lentos ou rápidos conforme se pretende.
— Da primeira vantagem se tira que uma prótese com 7 motores pode mover independentemente cada um dos dedos, rodar ou levantar a mão, levantar o bгаҫо.
LEITOR
DΕ ΤΕΧΤΟS
ELECTRÓNICO
ΡΑRΑ CΕCΟS
Jaime Filipe
Quando em 1956 pensei utilizar as técnicas de televisão para levar aos cegos uma nova esperança de percepção das imagens que os rodeiam, confesso que eu próprio tinha algumas reservas quanto ao êxito do projecto, não sendo portanto de admirar que outros fossem descrentes e desencorajadores.
Já passaram mais de 20 anos e aconteceu que entretanto a ideia tomou forma, tornou-se real e o tímido sonho de então está transformado num aparelho já comercializado nos mais diversos países, o qual usando uma minúscula câmara de televisão permite que um cego bem treinado leia qualquer texto impresso à velocidade de 80 palavras por minuto.
O processo é engenhoso e electronicamente complexo, mas a sua utilização é extremamente simples.
Completando acontecimentos passados e examinando o presente surge no nosso espírito um sentimento de frustração pelo desinteresse manifestado nos passos que demos, e não foram poucos, para que aquela ideia que surgiu em Portugal pudesse desenvolver-se, tomar corpo e forma na terra onde nasceu.
Entretanto outras ideias surgem no nosso espírito.
Já se atingiu a perfeição? Não haverá outras formas ainda mais sofisticadas de ajudar os deficientes físicos, e neste caso particular os cegos?
Seria possível, por exemplo, um cego dispôr de um aparelho que lhe permitisse «ler» um livro e ele próprio ouvir o que lá está escrito sem que alguém esteja presente?
Ouvir as notícias do jornal, os livros escolares, os números, as fórmulas, sem a ajuda de ninguém além do aparelho ideal que nos propomos imaginar?
Pois com o maior entusiasmo, quase com excitação, somos levados a dizer-vos que sim! é possível!!
Como então?
Bem, o sistema está ainda no campo das ideias, é complexo mas afigura-se-nos absolutamente viável.
Vamos descrevê-lo:
Uma câmara de televisão igual à usada no Optacon, isto é, uma câmara muito pequena com base em células fotoeléctricas (foto transistores), capta a imagem da letra, do jornal, do livro ou do texto dactilografado. O cego coloca a câmara sobre a palavra que pretende «ouvir». A câmara capta a imagem a qual é «explorada», linha a linha, electronicamente.
Cada letra envia impulsos diferenciados para um computador. Este não terá dificuldade em os codificar.
Até aqui nada de novo.
Mas para que o cego possa «ouvir» as letras ou vocábulos captados pela câmara temos que arranjar um sistema. E aí é que está a nossa ideia, que ao fim e ao cabo nos parece bastante simples e de certo modo facilmente realizável pela tecnologia moderna.
Esqueçamos portanto por momentos a câmara descrita e o computador e vamos pensar numa espécie de órgão electrónico com n teclas, tantas quantas as necessárias para reproduzirem os sons capazes de construir as palavras.
Mas onde provêm esses sons?
Vamos pensar que cada tecla quando premida, põe em movimento um pequeno disco magnético no qual se gravou com a voz humana a letra M (ME). Cada vez que se pressione a tecla ela põe em movimento o disco e uma cabeça magnética lê a letra ME parando automaticamente no fim da operação. Se se carregasse muitas vezes na tecla referida, ouvir-se-ía ME, ME, ME, etc.
Vamos agora pensar que na tecla seguinte temos outro som. Outro disco portanto onde está previamente gravado o som A, e ainda outros discos adjacentes com sons como RE, I. Agora vamos compor uma palavra apenas accionando as teclas referidas.
ME.A.R.E.I.A. A ligação destes vocábulos poderá reproduzir-nos a palavra MARIA, com alguma distorção, mas certamente com perfeita perceptibilidade.
Quer portanto dizer que «tocando» as teclas do órgão sofisticado, se poderia construir palavras, obtidas a partir de sons previamente gravados em discos magnéticos...
Vamos agora à câmara de TV e ao computador. Este entende bem a diferença entre um ME e um A. São impulsos eléctricos muito diferentes.
Ele não terá dificuldade em enviar para o «órgão» a ordem de disparo das «teclas», isto é dos discos com os vocábulos ou sons correspondentes às imagens das letras ou vocábulos captados pela câmara.
E então o cego ouvirá num altifalante uma voz que lhe «lê» o texto tendo apenas de deslocar a câmara ao longo da linha escrita como o faria com os seus olhos se tivesse vista.
Ficção, Realidade??
O próximo futuro o dirá.
Referência: Filipe, Jaime – “Arquitectura e Invalidez, Músculo Electromagnético, Leitor de Texto para Cegos”. Inventiva n.º23. Associação Portuguesa de Criatividade. Dez 1976.
Ficheiro pdf (400 kB): Inventiva nº 23 CIDEF nº 4 DEZ 1976
Conversão para formato texto: por OCR e revisão de Ricardo Miguel Monteiro
Conversão para formato texto: por OCR e revisão de Ricardo Miguel Monteiro