Revista Inventiva n.º 22 AGO 1975 Boletim CIDEF N.º 2

13-08-1975 21:56

Cabeçalho do Boletim do CIDEF n.º 2 - Agosto de 1975

SONICGUIDE
 
— Detector de Obstáculos Recebemos, directamente da firma que comercializou o Optacon, a informação do lançamento no mercado de um novo aparelho — o SONICGUIDE.
 

Este aparelho destina-se a complementar o uso da bengala, permitindo ao cego uma maior independência e mobilidade na sua locomoção.

É o resultado de mais de dez anos de experiências da Wormald Vigilant, na Nova Zelândia.

Trata-se de um sistema que utiliza ultra-sons. É constituído por uns óculos de aspecto normal que emitem ultra-sons, que ao encontrarem um objecto se reflec-tem, sendo depois captados de novo pelos óculos que os emitiram.

 
Estojo do DONICGUIDE
1 — Armação dos óculos
2 — Unidade de controle/baterias
3 — Carregador das baterias
4 — Estojo
Um pessoa cega a andar com o sistema SONICGUIDE


Através de um sistema electrónico, estes ultra-sons são convertidos em sons audíveis, que dão a indicação da distância, posição e características de superfície dos objectos que rodeiam o cego. A audição processa-se directamente através de pequenos tubos introduzidos nos ouvidos.
O cego, depois de treinado, pode distinguir, com bastante nitidez, estes sons dos do ambiente.

Este aparelho não substitui a bengala; é, apenas, um complemento. O tempo de aprendizagem é, sensivelmente, de três a quatro semanas. 0 preço deste aparelho é, aproximadamente, de cinquenta contos, nos Estados Unidos.

Em Portugal, ainda não foi experimentado e não está à venda! 

A título de curiosidade, referimos que para desenvolver o estudo deste sistema, a Fundação Alemã de Estudos sobre Cegos de Marburgo recebeu um «módico» financiamento de 5000 contos.

 
Dois «Braillomat» em funcionamento
Dois «Braillomat» em funcionamento
 
 
TELEFONE PARA
SURDO-CEGOS
 

No «Tribuna Alemã» de Junho de 1975 e sob o título «A técnica moderna ajuda a superar o isolamento» é apresentado um aparelho que permite a comunicação entre cegos, surdos e mudos, que tem o nome de Braillomat.
Este aparelho, sensivelmente do tamanho de uma máquina de escrever tipo médio, baseia-se no princípio do Telex. É um telefone cujo contacto é estabelecido pelo emissor, através de um disco normal.

0 receptor, que tem de possuir um aparelho igual, «percebe» que está a ser chamado através de um vibrador ligado ao seu corpo. O emissor «apercebe-se» de que a ligação está estabelecida por meio de um botão. Após o circuito ligado, a mensagem é transmitida através da perfuração de uma fita (em Braille para cegos — daí o nome do aparelho). 0 receptor anota a mensagem, igualmente em fita perfurada, e responde da mesma forma. Como se pode entender do que atrás fica dito, no caso dos cegos, é necessário o domínio da escrita Braille para poder utilizar o aparelho.
No Centro de Surdo-Cegos em Hanover, já estão em pleno funcionamento 22 aparelhos que têm tido resultados muito satisfatórios. A tal ponto que está em estudo a ligação deste sistema entre Hanover e Munique. Inclusivé, um técnico surdo-cego, utilizando um pequeno centro Braillomat, difunde diariamente as notícias de um jornal para os frequentadpres do Centro de Surdo-Cegos. Semanalmente é dado o plano da cozinha e das consultas médicas.

As pessoas que frequentam o Centro podem comunicar entre si através da rede dos 22 aparelhos.

O custo aproximado do aparelho é de 70 contos.

 
 
SISTEMA
PROTÉSICO
MIOELÉCTRICO
 

Tal como prometemos no número anterior, vamos descrever este sistema mais em pormenor.

Ortótese mioelétrica

Este sistema aproveita os potenciais biológicos, que são captados por dois pares de eléctrodos de contacto, munidos de um revestimento de ouro resistente. Estes potenciais biológicos são conduzidos pelos eléctrodos a um amplificador diferencial (só amplifica os sinais emitidos simetricamente) e transmite-os a um eléctrodo neutro que se encontra na prótese. Os sinais captados são provenientes do músculo e são nitidamente identificados, graças a este amplificador. 

Os potenciómetros são regulados individualmente de modo a arbitrariamente fixada.

Este disparador comanda o interruptor electrónico do motor. O motor acciona os dedos por intermédio dum dispositivo de desmultiplicação muito aperfeiçoado.

Esta mão pode exercer uma força de extremidade de 6 a 7 kg, mas também pode fazer movimentos finos. 

Como se pode ver pela gravura, esta mão pode fazer andar uma cadeira de rodas.

Esta prótese tem, fundamentalmente, a vantagem de reduzir ao mínimo a sobre-carga psíquica do amputado, fornecendo-lhe, ao máximo, a função motora.

 

CERCI

 

Ainda que directamente não seja este o nosso campo de actuação, pareceu-nos importante divulgarmos esta experiência, porque ela é exemplo de que só a conjugação de esforço e a actuação dos interessados podem conduzir à resolução dos problemas. Deixá-los por mãos alheias ou esperar que os outros o façam por nós, nunca conduziu a grandes sucessos.

Com o intuito de sabermos mais exactamente o que éte o que pretende ser a CERCI, falámos com a dr.a Élia Pecegueiro e o arq. António Pecegueiro.
Não se trata de uma entrevista, mas de uma conversa, da qual retirámos as ideias principais.

 

A CERCI nasceu da iniciativa de um grupo de pais e amigos de crianças deficientes. Pais e amigos que estão conscientes da dimensão do problema. Avançamos alguns números, que, por si só, nos situam melhor que qualquer extensa «prosa».

Criança a apontar para uma borboleta. CERCI - Cooperativa para a educação e reabilitação de crianças inadaptadas

Há, em Portugal, entre 600 e 700 mil crianças deficientes (desde os casos profundos aos casos ligeiros). Até agora só cerca de 3 mil crianças estão a ser acompanhadas.

Perante estes números, este grupo pro-pôs-se dinamizar, a nível nacional, todos os interessados na resolução deste problema.

Este trabalho de dinamização já começou a resultar e a prova disso é a criação de várias comissões. Assim estão constituídas três comissões na zona periférica de Lisboa. Uma que abrange Almada, Seixal, Caparica e Cova da Piedade, outra Barreiro e Moita, outra Montijo e por último a de Lisboa. Esta comissão iniciou, no dia 15 de Agosto a construção de uma escola nos Olivais, que terá capacidade para 60 deficientes médios. 

Ainda está prevista a aceitação de crianças da zona para actividades livres.

Mas cremos que os estatutos da cooperativa e algumas propostas aprovadas no I Plenário, queteve lugar no LNEC, em 25JUN75, deixam bem claros os objectivos que a Cooperativa se propõe alcançar.

Assim passamos a transcrever alguns pontos dos Estatutos:

 

Promover a adaptação da criação, a adaptação da família e com esta a da sociedade;

— Criar, nos locais mais apropriados, todas as infra-estruturas necessárias, designadamente, escolas;

— Preparar a sua educação «social» me-diante uma melhor integração no meio familiar e local;

— Promover esforços no sentido de dinamizar os pais e os interessados e de estes prestarem e aceitarem a colaboração activa de todas as pessoas singu¬lares ou colectivas que visem fins idênticos aos da cooperativa, através de todos os meios de informação e formação disponíveis;

— Preparar a integração da criança ina-daptada nos estabelecimentos de ensino normal;

— Promover, entre os estudantes de todos os níveis, o conhecimento deste grave problema e motivá-los para uma futura opção socio-profissional relacionada com a resolução do mesmo.

 

Das propostas aprovadas no I Plenário, transcrevemos:

— Que a partir do próximo ano lectivo seja determinado que do curriculum normal dos cursos de Magistério Primário e Educadoras de Infância obrigatoriamente faça parte uma cadeira de sensibilização aos problemas da criança inadaptada e de introdução ao ensino especial.

— Cursos gratuitos destinados a todas as pessoas interessadas e que se tenham dedicado ao estudo destes problemas.

— Aproveitar cabalmente as escolas residenciais já existentes.

— Que sejam criados centros especializados, em regime misto, (internato ou externato) para deficientes com profundo grau de deficiência.

— Que sejam eliminados escalões etários, actualmente em vigor, para acesso aos diferentes graus de ensino.

— Que sejam criados centros de apren-dizagem e formação profissional para deficientes que não são susceptíveis de prosseguir o ensino normal.

— Incluir nas recomendações da Direcção-Geral das Construções Escolares este tipo de equipamento, calculado em função da relação entre número de crianças com os diferentes graus de deficiências e a população a escolarizar.

É um programa vasto que a CERCI se propõe cumprir. Até agora tem vivido da quotização dos associados (cerca de 300) e da solidariedade e apoio de Comissões de Trabalhadores. Mas os problemas não se situam apenas no plano económico. A nível técnico, eles não são menores. 

A título de exemplo, é um «achado» encontrar um terapêuta da fala. Este ano matricularam-se 40 no Alcoitão, que por sua vez não tem possibilidade de os acolher a todos. Por tudo isto, consideramos que o CIDEF terá também um papel a desempenhar, colaborando com a CERCI quando as verbas prometidas nos chegarerti às mãos e pudermos começar a desenvolver uma actividade normal. 

De imediato, limitamo-nos a chamar a atenção dos interessados e do Estado para a realidade que a CERCI já é, e que deve ter o apoio de todos nós.

 
CORREIO DO LEITOR
 

Recebemos, do Gabinete de Relações Públicas da Emissora Nacional uma carta do ouvinte Eugénio Dias Abrantes pedindo esclarecimentos acerca de duas notícias.

A primeira referia-se aos doentes de tracoma e xeroftalmia. Ao que parece a pergunta deve estar relacionada com a notícia vinda de Genebra, segundo a qual «Sir» John Wilson, presidente da Organização Mundial Contra a Cegueira, afirmava que «doze escudos bastariam para restituir a vista a cada um dos 400 milhões de cegos vítimas de tracoma que actualmente existem no mundo.» E ainda que «cerca de três escudos chegariam para evitar cada caso de xeroftalmia, ainda a mais importante causa da cegueira infantil.»

A segunda pergunta referia-se a um aparelho utilizado por um soldado americano, que cegou no Vietnam, tendo obtido resultados.


Respostas:


— Apesar de não termos dados concretos em relação à notícia vinda de Genebra, tentámos, com base nas afirmações nela contidas, descortinar o sentido de tal informação.

Parece-nos que se trata de uma conclusão socio-económica. Assim, para o caso do tracoma, tratar-se-ia da despesa feita com a aplicação oportuna da Auriomicina Oftálmica. No caso da xeroftalmia, cremos que os três escudos se referem a despesas alimentares. Despesas feitas com alimentos ou produtos que possuam Vitamina A.

No entanto, esta resposta é susceptível de não ser totalmente exacta, dado que não conseguimos obter elementos mais esclarecedores e esta matéria não se insere directamente no nosso âmbito de actividade.

— Quanto à segunda pergunta, também não sabemos se a nossa resposta é a requerida pelo leitor. Não por culpa nossa, mas porque a pergunta é muito vaga.

Pode tratar-se de algum aparelho que esteja ainda em fase laboratorial. Temos conhecimento de que se estão a fazer novas investigações neste campo. Se se trata de um aparelho já comercializado deve tratar-se do OPTACON, ao qual já nos referimos no primeiro número deste Boletim.

 

 
NOTÍCIAS VÁRIAS
 

Por iniciativa do Laboratório de Física e Engenharia Nucleares realizaram-se, no Laboratório Nacional de Engenharia Civil, vários debates versando cinco temas fundamentais adentro de um tema genérico— Reestruturação da Indústria Electrónica

O CIDEF esteve presente através do engenheiro electrotécnico Nuno Encarnação. Este elemento participou no grupo de trabalho que se debruçou sobre o tema «Indústria electrónica de equipamento profissional envolvendo produção em pequenas e médias séries». 

A proposta, feita pelo CIDEF, foi a de se construírem campainhas para os semáforos, de modo a facilitar a mobilidade dos cegos ao atravessarem as ruas. Esta proposta foi aceite e irá ser analisada a viabilidade da sua execução. 

 

No jornal «O Primeiro de Janeiro», de 15 Julho 75 vem publicado um extenso artigo dedicado ao CIDEF e ao primeiro número do seu Boletim. 

Consideramos este artigo importante não apenas pela maneira como Manuel Dias abordou o problema dos Deficientes Físicos, mas principalmente por este órgão de informação lhe ter dedicado quatro colunas e título de caixa alta. 

A seguir à Televisão, é este o segundo órgão de informação a fazê-lo, dando-lhe a dimensão que merece. Acreditamos que outros os seguirão, visto que se trata de um problema que, directa ou indirectamente, nos afecta a todos.

 

Recebemos um convite para participar no II Congresso Internacional sobre a Tecnologia da Prótese e a Readaptação Funcional, que se realizará em Cannes, de 28 de Março a 2 de Abril de 1976. 

 

Neste Congresso poderão ser apresentados trabalhos subordinados ao tema «Os Aspectos Psico-Sociológicos e Eco-nómicos do Deficiente nas suas Relações com a Aparelhagem». 

O objectivo deste Congresso é salientar a importância destes aspectos, dado que existe um desfasamento entre o seu desenvolvimento e o dos aspectos médicos e de reabilitação, que estão numa fase mais avançada.

Os interessados em participar neste Congresso poderão contactar-nos para mais esclarecimentos.

 

No dia 25 de Junho, realizou-se um jantar comemorativo do 1.° ano do CIDEF.

Estiveram presentes a quase totalidade dos membros e ainda elementos da direcção da Associação Portuguesa para a Invenção e Inovação e da revista Inventiva.

Neste jantar foi apresentado mais um trabalho, que está a ser desenvolvido por Jaime Filpe com a colaboração de dois engenheiros electrotécnicos. Trata-se de uma prótese de mão para amputados, que tem a vantagem de fazer movimentos rápidos, com independência digital, e que poderá levantar um peso até 10 kg. No entanto, ainda não pode ser considerada uma realidade, pois está ainda em estudo e há basatntes proble¬mas a resolver.

 

Em Fevereiro de 1975 a Telesensory Systems, Inc. (T. S. I.) escreveu ao Eng. Jaime Magalães Filipe dizendo ser Portugal um dos poucos países da Europa onde não existia um centro de treino para recuperação de cegos com aparelhos Optacon.

Na sequência da correspondência havida com a Telesensory Systems, (entidade ligada à difusão do Optacon, processo visio-tactil por nós já difundido) surge-nos agora a possibilidade de fazer deslocar a Portugal um técnico que num curso a realizar ainda este ano possa vir a formar monitores que ensinarão aos deficientes visuais o manejo deste precioso dispositivo de leitura. 

Esta hipótese, que surgiu dos contactos feitos com a T. S., Inc. poderá, e virá com certeza, a ser aproveitado por um amplo grupo de pessoas interessadas. 

Realizar-se-á no nosso país o 1.° concurso de monitores de Optacon, com a duração de 2 semanas. Desde já se solicita a todos os centros de recuperação e associações que estejam interessadas em tomar parte no referido curso que contactem urgentemente o CIDEF.

 
Referência:  Filipe, Jaime – “SONICGUIDE, Telefone para surdocegos, Sistema Protésico Mioléctrico, CERCI”. Inventiva n.º 22. Associação Portuguesa de Criatividade. Agosto 1975.

Ficheiro pdf (3,4 MB): Inventiva nº 22 CIDEF nº 2 AGO 1975

Conversão para formato texto: por OCR e revisão de José Pedro Amaral