Diário Popular - Já temos uma Certeza: o cego poderá receber informações no cérebro sem ser através do globo ocular
Encontra-se em Portugal o médico neuroiisiologista que, nos Estados-Unidos, mais tem trabalhado no projecto destinado a permitir, por meio de televisão, gue, os cegos possam captar as imagens exteriores.
Trata-se do dr. Paul Bach-Y-Rita. director do Smith-Kettlewell Institute of Visual Sciences, de S. Francisco e professor do Department of Visual Sciences da School of Medical Sciences, da Universidade do Pacífico, e veio ao nosso país para se avistar com Jaime Filipe autor de estudos sobre aplicação da televisão à recuperação de cegos, e outros técnicos e médicos oftalmologistas portugueses.
- A neurofisiologia - disse-nos — é a ciência que estuda, entre outros assuntos, os movimentos oculares.
E acrescentou:
Como sabe, os olhos limitam-se a actuar como uma câmara, de televisão: captam imagens que enviam para o cérebro, com o fim deste as interpretar. Perante a cegueira, só temos um caminho: é encontrar forma de fazer chegar ao cérebro as informações que são, em casos normais, transmitidas pelo globo ocular. É importante acentual que a pessoa não vê com os olhos, mas com o cérebro. Detivemo-nos, portanto, no estudo do processo capaz de enviar ao cérebro as informações necessárias à interpretação. Concluímos, efectivamente, que o cérebro pode ver sem olhos, Assim, resta aperfeiçoar o sistema susceptível, de levar ao cérebro, por outros mecanismos, a informação visual.
O dr. Bach-y-Rita disse-nos depois:
- Criámos, então, uma câmara de televisão que pode aplicar-se aos aros de uns óculos a qual transmite impulsos à pele susceptíveis de criarem as imagens de informação que nas pessoas normais são dadas através dos olhos. Como se sabe, o grande problema do cego de nascença é que este não tem noção de perspectiva e só obtém informações pela forma táctil.
Segundo o nosso sistema, a noção de perspectiva é captada perfeitamente pelo cego.
Processo em fase de investigação
O cientista americano, que nos falava no estúdio de Jaime Filipe, salientou, então:
- É importante acentuar que este processo está em fase de investigação e que ainda precisamos de muito tempo para o aperfeiçoarmos. Estamos a trocar conhecimentos com estudiosos de outros países, nomeadamente da Inglaterra, da Suécia e de Portugal. Já provámos o pincípio, isto é: provámos que o cego pode receber informações dirigidas ao cérebro por meio de impulsos eléctricos transmitidos à pele. Já provámos, também, que estes impulsos podem ser organizados sem perigo para saúde do cego e sem dor. Podemos, assim, levar em perfeitas condições a informação visual ao cego e com ela desencadear os seus mecanismos de análise interpretativa.
E acrescentou:
- É claro que este não é um sistema ainda prático. Mas podemos aperfeiçoá-lo com a contribuição de cientistas de todo o Mundo que se encontrem interessados nos seus estudos, É curioso notar que Jaime Filipe desenvolvia, em Portugal, desde há doze anos, sistemas quase idênticos aos nossos, sem que uns e outros soubéssemos do que se passava no outro pais. Agora, já podemos trocar regularmente as nossas informações.
Portugal vai contribuir para o desenvolvimento do novo sistema
Por sua vez, Jaime Filipe disse-nos que Portugal vai contribuir decisivamente para o desenvolvimento do novo sistema, graças a colaboração do Ministério da Educação e do Instituto Gama Pinto.
Entretanto, o dr. Bach-Y-Rita afirmou-nos:
— Nos Estados Unidos temos vários centros de estudos, nomeadamente em Filadélfia, em Portland e em S. Francisco. Foi em 1963 que começamos as investigações práticas e, até 1967, trabalhamos praticamente sem fundos. Ninguém acreditava nos nossos estudos, Hoje, o Governo Federal apoia-nos. Mas vamos precisar de cinco a dez anos, até que p processo se considere apto a ser usado por qualquer cego.
Trés ciclos de experiéncias
O cientista americano — casado com a cantora Eileen Morgenstar, a qual gravou um programa para a RTP e tem dezenas de discos editados em vários países — disse-nos que estão em curso, actualmente, três ciclos de experiências: um com criançus, transmitindo-lhes a educação; outro com indivíduos de forte vocação (engenheiros etc.) auxiliando-os a desempenhar devidamente as suas funções; e outro visando a mobilidade.
— Este último — disse-nos — e o mais dificil e é onde temos feito menos progressos. A mobilidade do cego traz problemas que ainda não estão ao nosso alcance. O nosso sistema permite a transmissão da imagem até ao cérebro mas não no tempo real. Assim, o cego, usando o nosso aparelho, não pode mever-se sem enfrentar perigos vários. Não vemos ainda possibilidade de ajudar o cego a caminhar pelas ruas como qualquer de nós.
— Qual é a colaboração que Portugal pode dar para estes estudos? — perguntámos.
— Precisamente na construção de aparelhos que será aqui muito mais barata do que nos Estodos Unidos. Apenas desejo ver as possibilidades económicas do vosso grupo de trabalho e saber se este é constituído por pessoas verdadeiramente interessadas. A seguir — , concluiu o dr. Bach-Y-Rita — , estabelecermos um sistema de troca constante de informações que pode tá ser muito útil para o futuro das nossas investigações.
Diário Popular, 23-10-1972